Vento forte na Escola secundária Manuel Teixeira Gomes (Portimão): 17 Jan 2014

Na Escola secundária Manuel Teixeira Gomes (Portimão), uma estação meteorológica automática efetuou o registo de um valor de vento máximo instantâneo da ordem de 175 km/h, rumo norte, pelas 11:40 UTC do dia 17 de janeiro de 2014. Uma avaliação essencialmente baseada em observações realizadas pelo radar de Loulé/Cavalos do Caldeirão permitiu esclarecer alguns detalhes interessantes. No entanto, o conjunto de todos os elementos disponíveis não permitiu retirar uma conclusão definitiva quanto à natureza exata do fenómeno associado a este episódio.

No dia 17 de janeiro de 2014 diversas formas convectivas dotadas de circulações organizadas propagaram-se sobre o Barlavento Algarvio. Duas destas estruturas, identificadas como supercélulas (SC), produziram fenómenos de tempo severo que, para além de chuva forte e granizo, se traduziram num dos casos na formação de um tornado sobre o mar, a sul da praia da Luz (Lagos) e, no outro, na ocorrência de um episódio de vento muito forte que foi objeto de um relato por parte da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes (E.S.M.T.G.).

Uma SC é uma célula convectiva especial que mantém em níveis médios e elevados uma circulação de eixo praticamente vertical, correspondente a uma corrente ascendente que adquiriu movimento de rotação (mesociclone). Este é identificável no campo da velocidade Doppler (velocidade em relação à tempestade, designada como SRV) como um padrão de escoamentos, vizinhos, com sentido de afastamento e aproximação ao local do radar. Na prática, este padrão permite identificar num grande número de casos a presença do mesociclone, como a figura 1 procura ilustrar.

 PPIV Supercelula 17012014

 Fig 1 – Imagem PPI (indicador de posição plana), com 1.5º de elevação, do campo da velocidade em relação à tempestade (m/s), de 17/01/2014, 11:07 UTC, radar Loulé/Cavalos do Caldeirão. Visível um padrão dipolar, assinalado, caraterístico de circulação mesociclónica (cores quentes representam movimentos de afastamento em relação ao radar; cores frias representam movimentos de aproximação em relação ao radar). 

 

Para contextualizar é instrutivo analisar a figura 2, em que se visualiza uma animação de PPI da velocidade em relação à tempestade, a um nível relativamente baixo (1.5⁰ de elevação), obtida entre as 10:57 UTC e as 11:47 UTC.  Durante este período verifica-se a presença das duas SC inicialmente mencionadas. A que aparece identificada em primeiro lugar propagou-se para este-nordeste, tendo sido identificada nas imagens entre as 10:47 e as 11:27 UTC, instante após o qual perdeu organização. Esta SC esteve associada à geração do tornado atrás referido. A outra supercélula, identificada entre as 11:07 e as 11:47 UTC, propagou-se mais claramente para nordeste e esteve diretamente associada ao episódio de vento forte registado na E.S.M.T.G..

Animação SC 17012014 

Fig 2 – Animação de PPI (indicador de posição plana), com 1.5º de elevação, do campo da velocidade em relação à tempestade (m/s), de 17/01/2014, período 10:57-11:47 UTC, radar Loulé/Cavalos do Caldeirão. Em sucessivas observações são visíveis os padrões mesociclónicos que permitem seguir cada uma das supercélulas identificadas. 

 

Sobre um mapa Google foi assinalada a trajetória aproximada da primeira SC, a qual teve alguma interação com a SC que afetou diretamente a área do presente relato. Ainda que esta primeira SC não tenha produzido danos associados ao relato a que esta descrição se encontra ligada, esteve na origem da geração de um tornado noutro local. Esta primeira SC foi identificada em local/hora com recurso às observações do radar de Loulé/Cavalos do Caldeirão, L/CC (ver figura 3). Cada uma destas localizações refere-se, sempre, à posição que o centro do respetivo mesociclone ocupava em cada instante indicado.

 

trajetoria SC TORNADO

 Fig 3 – Trajetória estimada para a SC associada à geração de um tornado, a sul da Praia da Luz. Local/hora foram identificados com recurso às observações do radar de Loulé/Cavalos do Caldeirão (período 10:57 – 11:27 UTC). Mapa Google em fundo.

Sobre um mapa Google mais ampliado, compreendendo a área de Portimão e arredores, foi assinalada a trajetória aproximada da SC que, efetivamente, esteve associada ao relato de vento forte (vere figura 4). Indica-se também o corredor (com cerca de 1 quilómetro de largura) onde terá sido maior a probabilidade da incidência de ventos fortes à superfície (ver figura 5). Este corredor foi traçado atendendo à trajetória de propagação estimada para esta SC que afetou diretamente a Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes (E. S. M.T.G.), em Portimão. Não se pretende afirmar que, objetivamente, tenham nessa faixa incidido ventos fortes, uma vez que tal é, presentemente, desconhecido, salvo no local da estação meteorológica.

TRAJETORIA SC vento forte na Escola 

 Fig 4 -Trajetória estimada para a SC associada ao episódio de vento forte registado na E.S.M.T.G.(Portimão. Local/hora foram identificados com recurso às observações do radar de Loulé/Cavalos do Caldeirão (período 11:07 – 11:47 UTC). Mapa Google em fundo.

 

trajetoria detalhada

Fig 5 – Detalhe da trajetória estimada para a SC associada ao vento forte na E.S.M.T.G. Indicado a azul o corredor (com cerca de 1 quilómetro de largura) onde terá sido maior a probabilidade da incidência de ventos fortes à superfície (período 11:37 – 11:47 UTC). Mapa Google em fundo.

 

A primeira das duas SC situava-se, pelas 10:57 UTC, a sudoeste do Burgau (ver figura 3). Propagava-se aproximadamente para este-nordeste de tal modo que pelas 11:07 UTC se encontrava praticamente sobre esta localidade e, pelas 11:17 UTC, já sobre os arredores oeste da cidade de Lagos após ter passado sobre a Praia da Luz. Ligeiramente a sul desta última localidade, sobre o mar, esta SC produziu comprovadamente um tornado que foi avistado a sul da linha de costa durante um período consistente com a hora a que a SC se propagava sobre o local. Entretanto a estrutura convectiva prosseguiu o seu movimento segundo o rumo indicado, encontrando-se pelas 11:27 UTC ligeiramente a norte da Meia-Praia (Lagos). Após este instante, começou a perder organização e deixou de ser claramente identificável nas imagens de radar.

A segunda SC, que de facto afetou a área da escola situava-se, pelas 11:07 UTC, sobre o mar, a sueste de Vila do Bispo (ver figura 4). Na sua propagação começou a propagar-se sobre pelas 11:37 UTC, tendo prosseguido o seu movimento para a nordeste. Pelas 11:47 UTC encontrava-se cerca de 2 quilómetros a norte da E.S.M.T.G., já sobre os arredores norte da cidade de Portimão. Estima-se que o mesociclone desta SC tenha passado ligeiramente a oeste da referida escola pelas 11:42 UTC.

A avaliação efetuada sobre a informação observacional de superfície amavelmente disponibilizada pela E.S.M.T.G. não permitiu questionar o valor reportado, que se aceita: rajada com cerca de 175 km/h, registada entre as 11:35 e as 11:40 UTC. Segundo o relato – que as observações radar confirmam – à hora da ocorrência a região estava a ser afetada por forte precipitação, inclusive sob a forma de granizo, e também por trovoada. Atendendo a todos este elementos, incluindo a localização relativa da escola face à referida SC, dois fenómenos se admite poderem ter estado na origem do vento muito forte.

Um dos fenómenos, “downburst”, é compatível com escoamentos da ordem da intensidade observada. O facto de o valor reportado ter sido observado no topo de um edifício a cerca de 20 m de altura do terreno circundante, pode ter conduzido a uma ligeira sobrestima face ao valor efetivo junto ao solo, mas não altera substancialmente o sinal de vento muito forte. No entanto, há que ressalvar que o rumo do vento registado para a rajada (norte) não é muito consistente com o esperado face ao rumo e condições de propagação desta supercélula. De facto, atendendo à elevada velocidade de propagação da SC para nordeste, seria de esperar que este tipo de fenómeno (originado por arrefecimento evaporativo que induz aceleração para o solo),a ocorrer, se orientasse tendencialmente segundo esse mesmo rumo e sentido. Deste modo, o rumo do vento forte deveria ser aproximadamente de sudoeste e não de norte.

O outro fenómeno, a descida de um vórtice de sucção para níveis baixos mas que, eventualmente, não tenha chegado a materializar-se como um tornado (por não ter mantido contacto com o solo), parece ser a hipótese mais plausível. Desde logo, porque as observações radar são mais consistentes com este tipo de fenómeno, embora não o evidenciem de modo direto e inequívoco e tenham sido efetuadas a mais de 800 m de altitude, sobre a área. Adicionalmente, pelo facto de o rumo do vento máximo instantâneo reportado não corresponder ao esperado para um “downburst” mas, pelo contrário, ser compatível com uma circulação forte, de natureza contornante (rotação) que possa ter afetado a área da estação de modo transiente. Neste caso, a circulação poderia forçar um rumo de acordo com o posicionamento relativo do vórtice em relação à estação, tendo ficado registado apenas o rumo correspondente à maior intensidade.

Chama-se a atenção para o facto de, ainda assim, não se poder diagnosticar de um modo inequívoco a natureza do fenómeno ocorrido. A ausência de observações com periodicidade inferior a 5 minutos e a razoável altitude a que a observação radar sobre a região diz respeito não permitiram a extração de conclusões definitivas. A expressiva queda de granizo e chuva poderiam, eventualmente, impedir a visualização de qualquer vórtice, no caso de este se ter de facto, organizado a partir da base da nuvem.

Este caso é curioso mas, para além disso, evidencia o potencial destrutivo das supercélulas, pela geração de tempo severo. A primeira das estruturas mencionada produziu um tornado sobre o mar, a sul da Praia da Luz; a segunda, para além da forte queda de granizo e chuva observados, produziu vento muito forte à sua passagem.